Reabrir ou não o comércio?

Atendendo ao convite de escrever algumas considerações sobre a reabertura do comércio em tempos de distanciamento social e de enfrentamento a uma pandemia, uma palavra é recorrente na formulação do meu pensamento: necessidade. Ela integra os diversos elementos que identifico ao pensar sobre a temática, atualmente muito cara à gestão pública e à administração privada. Aqui discuto brevemente alguns deles.
Necessidade é o argumento válido de muitos que veem suas atividades suspensas, enquanto comerciantes, como uma enorme dificuldade de manterem-se com o mínimo de garantias financeiras à sua sobrevivência. No entanto, a validade desta lógica só se sustenta porque o apoio federal prometido aos empresários tem encontrado óbices no seu caminho e não completa o seu percurso. São recorrentes as reclamações em reportagens televisionadas que apontam problemas em conseguir auxílios financeiros. A informalidade, já presente muito antes da pandemia, soma-se como um obstáculo no alcance destes benefícios.
Pensando no outro lado da moeda, um grupo de consumidores tem demonstrado sua ânsia em voltar a comprar. As reaberturas de shopping centers, os maiores representantes da prática vigente de consumo, têm oferecido uma visão desta ansiedade. As imagens destes eventos mostram aglomerações e filas. Seria a necessidade de um produto ou serviço específico? Ou seria a necessidade de consumir? Ou mesmo de se movimentar, de frequentar o mesmo ambiente que outras pessoas, parafraseando Aristóteles, quando diz que o ser humano é um animal social?
Aqui entram outros questionamentos em torno da necessidade. O que é necessário? Em tempos difíceis em que nossa saúde é o centro das atenções (e quando não deveria ser?), o que seria essencial? Reabrir o comércio neste momento em que as curvas de contaminação e de mortes, apesar de não ascendentes, ainda continuam em níveis altos e aparentemente estáveis, pode ser pior para a saúde da população e, também, para a economia. O momento é de se pensar estratégias para minimizar os efeitos econômicos da pandemia à população e, com isso, minimizar, também, a necessidade pela atividade comercial de empresários que sofrem as consequências de terem seus negócios suspensos. Autorizar o funcionamento do comércio pode legitimar um pensamento que paira sobre a mente das pessoas que não têm vivenciado de perto os efeitos negativos da situação desencadeada pelo novo coronavírus: o de que não há doença, ou de que esta é leve. Já não há espaço para discutir estes argumentos negacionistas.
  Finalizando, outros questionamentos são relevantes à situação. Quem está disposto a frequentar o comércio? Pode parecer contraditório argumentar que a população não esteja, de modo geral, disposta a voltar aos seus antigos hábitos de consumo, visto que os jornais têm mostrado shoppings, praias, avenidas comerciais e demais ambientes que reabriram todos lotados. Mas, será se esta situação é generalizável? Será se este não é grupo limitado? Com o risco iminente à saúde e com tantos empregos perdidos ou ameaçados é difícil pensar que a maioria da população esteja tranquila ao pensar em transitar por ambientes aglomerados para o consumo trivial. Bem como disposta à reabertura das atividades comerciais, a não ser que seja uma necessidade, daquela mencionada logo no início do texto, a de sobreviver. 
O mundo mudou e o novo normal, quando tudo isso acabar, não será tão normal quanto o que estamos acostumados. Esta não é uma visão pessimista, mas uma perspectiva de reorganização das atividades sociais, de repensar práticas, de se questionar.

Rafael Fernandes
Doutor em Administração de Empresas pela Universidade Potiguar.


Comentários

  1. Parabéns meu querido sobrinho pelo lindo texto tão bem esclarecido.

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  2. Parabéns,Rafael! O texto além de muito bem escrito, traz reflexões importantes que nos leva a repensar muitos hábitos e concepções

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